Paris

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cantei Paris em plena Discophage.
Rue des Écoles sempre à minha espera.
Li Baudelaire, visitei poetas.
Vendi flores de papel, sonhos, quimeras.
Desvendei becos, desnudei ruelas.
Todas as suas portas me eram abertas.
Todas as suas ruas me eram belas!
Troquei de gestos, como fazem as damas.
Brilhei nas noites, mais que as atrizes.
Troquei de palcos, delirei na fama.
Adormeci nas luas das marquises.

Amanheci vagando nos jardins.
Perambulei nas praças, avenidas.
Vivi amores. Fiz homens felizes.
Vi lágrimas virarem cicatrizes.
Ouvi o badalar da Notre-Dame.
Roguei por Deus em todas as matrizes.
Nos bosques, caminhei nas folhas secas.
Colhi sereno, adormeci na grama.
Pousei nas gares, segui nos metrôs.
Fugi de mim pra não cair na lama.

Quantas e quantas madrugadas nuas.
Tantas e tantas noites mal dormidas.
Fantasmas passeando nos fortins.
E eu testemunhando outras vidas.
Fui pastora nos campos d’Avignon.
Amiga de Zola e de Voltaire.
Lutei pela Tombée de la Bastille.
Da Belle Époque, fui la jeunne fille.
A amante passionée de Baudelaire.
Andei Paris em muitos frios invernos.
Amei Paris em seus verões banais.
Colhi Paris em belas primaveras.
Sonhei Paris nas noites outonais.
Domei Paris como quem doma as feras.

Paris, pra mim, é uma folgazã.
Uma mulher da vida, bem amada.
A caixa onde escondo meus segredos.
Um pomar proibido, uma maçã.
O útero onde ainda estou guardada.
Quero viver Paris todos os tempos.
Amá-la em meus delírios, com fartura.
Lavar minh’alma nas margens do Sena.
Embriagar-me plena de ternura.


Do que eu fui em Paris, resta-me o sonho.
E os versos dos poemas que componho.
É muito mais do que o desejo infinda.
Eu quero é possuí-la, como poucos.
Eu quero engravidá-la, como os loucos.
No sangue, no suor e nas entranhas.
Paris, pra mim, é minha pátria estranha.
É a saudade da ventura finda.
É a lágrima distante que me banha.
Paris, em mim, é possuir-me ainda.

Katia Drummond